Nutrição e Fibromialgia: Um Olhar Integrado

A fibromialgia é uma condição crônica e complexa, caracterizada por dor musculoesquelética generalizada, fadiga, distúrbios do sono, rigidez muscular, além de manifestações emocionais como ansiedade e depressão. A sua fisiopatologia é multifatorial e envolve alterações no processamento da dor pelo sistema nervoso central, desequilíbrios neuroquímicos, estresse oxidativo, inflamação de baixo grau e deficiências nutricionais. Neste contexto, a nutrição desempenha um papel essencial tanto na prevenção quanto no tratamento dos sintomas.
1. Inflamação e estresse oxidativo: papel central na fibromialgia
Estudos mostram que pacientes com fibromialgia têm níveis elevados de citocinas pró-inflamatórias, como IL-6 e IL-8, o que indica uma inflamação crônica de baixo grau. Essa inflamação afeta diretamente a percepção da dor e está associada a alterações na sensibilidade central. Simultaneamente, observa-se um aumento no estresse oxidativo, caracterizado pelo excesso de radicais livres que danificam proteínas, lipídeos e DNA.
Esse ambiente inflamatório e oxidativo compromete a função mitocondrial, reduzindo a produção de ATP (energia celular), o que contribui para a fadiga extrema e a dor muscular persistente. A adoção de uma dieta rica em antioxidantes pode reduzir significativamente esse impacto. Vitaminas antioxidantes como A, C e E, bem como minerais como magnésio, zinco e selênio, atuam neutralizando os radicais livres e auxiliando no funcionamento celular adequado.
2. Micronutrientes essenciais no manejo da fibromialgia
Vitamina D
Estudos apontam que baixos níveis de vitamina D estão frequentemente associados a pacientes com fibromialgia. Essa vitamina tem ação imunomoduladora e anti-inflamatória, e sua suplementação pode reduzir a dor, melhorar a função física e aumentar a qualidade de vida. Recomenda-se a suplementação de 2000 a 4000 UI/dia em casos de hipovitaminose comprovada, sempre com acompanhamento laboratorial.
Magnésio
O magnésio está envolvido em mais de 300 reações bioquímicas, incluindo a relaxação muscular, regulação do sono e controle da dor. Sua deficiência é comum em pacientes com fibromialgia e pode estar relacionada à rigidez muscular e à dor. A suplementação entre 200 a 400 mg/dia (malato ou citrato) pode melhorar sintomas e qualidade de sono.
Complexo B
Vitaminas do complexo B, em especial B1, B6 e B12, têm papel na saúde neurológica e na produção de energia. A B12, por exemplo, tem sido usada para reduzir a fadiga e a ansiedade, apesar de seu efeito direto sobre a dor ainda ser discreto.
Ferro e Zinco
Esses minerais, muitas vezes encontrados em concentrações reduzidas em pacientes com fibromialgia, são fundamentais para a oxigenação dos tecidos, imunidade e recuperação muscular. A deficiência pode agravar a fadiga e comprometer o desempenho físico.
3. Nutrição mitocondrial: restaurando energia
A mitocôndria, organela responsável pela produção de energia nas células, apresenta disfunção em muitos pacientes com fibromialgia. Essa disfunção leva à queda na síntese de ATP, resultando em cansaço constante e baixa tolerância ao esforço.
Nutrientes como coenzima Q10 (CoQ10), ômega-3 e vitaminas B2 e B3 são cofatores essenciais para o funcionamento mitocondrial. A suplementação com CoQ10 (100 a 300 mg/dia) tem mostrado resultados positivos na redução da fadiga e na melhora da performance celular.
O ômega-3, além de suas propriedades anti-inflamatórias, melhora a fluidez da membrana mitocondrial e favorece a captação de nutrientes pelas células, o que potencializa a geração de energia e reduz o impacto da fibromialgia.
4. Alimentação anti-inflamatória: a base do alívio
Uma dieta anti-inflamatória é caracterizada pelo alto consumo de vegetais, frutas, leguminosas, oleaginosas e alimentos integrais, e pela redução de alimentos processados, refinados e ricos em gorduras trans.
Alimentos ricos em compostos bioativos como flavonoides, polifenóis, carotenoides e resveratrol possuem efeito antioxidante e anti-inflamatório. A introdução de especiarias como cúvrcuma (açafrão-da-terra) e gengibre também potencializa a redução da inflamação sistêmica.
Estudos apontam que dietas baseadas em vegetais, como a vegetariana e a vegana, favorecem a melhora da rigidez muscular e do sono, quando bem planejadas e individualizadas.
5. Sensibilidades alimentares e exclusão seletiva
Alguns alimentos, embora saudáveis para a maioria das pessoas, podem desencadear sintomas em pacientes com fibromialgia, devido a intolerâncias ou sensibilidades ocultas. Entre os mais comuns estão:
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Glúten
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Lactose
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Glutamato monossódico (MSG)
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Corantes e conservantes artificiais
A dieta de eliminação sob supervisão nutricional permite identificar esses gatilhos e promover alívio sintomático significativo. Essa estratégia é sempre temporária e deve ser seguida com reintrodução gradual dos alimentos tolerados.
6. Aspectos emocionais: nutrição também influencia
A ansiedade crônica, comum na fibromialgia, contribui para o aumento da tensão muscular, distúrbios do sono e baixa tolerância à dor. A nutrição pode colaborar nesse aspecto através de alimentos que modulam neurotransmissores como serotonina, dopamina e GABA.
Alimentos ricos em triptofano (banana, aveia, grão-de-bico), magnésio (folhas verdes, sementes) e vitamina B6 (batata, abacate) auxiliam na síntese de serotonina, promovendo sensação de bem-estar. A suplementação com fitoterápicos como valeriana, melissa e passiflora também pode ser recomendada.
7. Avaliação bioquímica e conduta individualizada
O acompanhamento nutricional de pacientes com fibromialgia deve incluir a análise de exames laboratoriais como:
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25(OH)D (vitamina D)
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B12 e ácido fólico
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Hemograma
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Perfil de ferro
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Zinco e magnésio
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Proteína C reativa (PCR) e VHS
A conduta é personalizada, com ajustes alimentares e suplementações conforme as necessidades de cada paciente.
Exemplos práticos de intervenção nutricional
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Vitamina D: 2000–4000 UI/dia se deficientes
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Magnésio: 200–400 mg/dia (malato/citrato)
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CoQ10: 100–300 mg/dia
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Ômega-3: 1 a 3 g/dia de EPA/DHA
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Dieta: 5 porções diárias de frutas/verduras; reduzir ultraprocessados, glúten, laticínios se houver intolerância
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Fitoterápicos e chás calmantes: conforme necessidade emocional
Conclusão
A fibromialgia exige uma abordagem multifatorial e integrativa. A nutrição funcional se mostra uma ferramenta poderosa na redução dos sintomas, no suporte emocional, na melhora da função mitocondrial e na regulação da inflamação. A alimentação equilibrada, aliada a um estilo de vida ativo, sono de qualidade e suporte psicológico, forma o alicerce para o bem-estar e o controle da doença.
Referências (ABNT)
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Autora: Isabela Santos, Nutricionista, Pós graduada em Nutrição Esportiva e Bem Estar